Editorial

Diferentes perspectivas de tempo



Com alguma frequência, uma palavra estranha, que não faz parte do vocabulário cotidiano de muitos cidadãos, ressurge com força nos discursos de gestores ao explicar as dificuldades em manter as contas públicas equilibradas: precatórios. De forma sintética, esse substantivo nada mais é do que uma dívida que o poder público tem com um credor. Um pagamento a ser feito pelo Município, Estado ou País após processo em que a Justiça reconheceu o direito de quem cobra e a obrigação de pagamento daquele ente federativo que deve.

No Brasil, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021 a dívida total de precatórios era superior a R$ 68 bilhões. A imensa maioria deste bolo – quase R$ 58 bilhões – classificada como dívidas alimentares, isto é, aquelas em que os vencedores das ações judiciais requisitam valores referentes a salários, pensões, aposentadorias ou outros créditos relacionados ao seu sustento.

Trazendo para a realidade de Pelotas, como mostra reportagem na página 12, exceção óbvia feita às cifras envolvidas, não há muita diferença. O Município deve hoje R$ 463,3 milhões em precatórios. Valor que vem aumentando de forma bastante acelerada, já que em 2019 a dívida era de R$ 221 milhões. Se esta mesma quantia de quatro anos atrás não sofresse acréscimos, apenas a atualização levando em conta o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medida oficial de inflação no Brasil, ficaria em R$ 278,2 milhões. Logo, é perceptível que há uma bola de neve ganhando corpo, ao invés desse débito do poder público local ir reduzindo, como seria desejável.

Se para a Prefeitura há a preocupação quanto aos altos valores a serem pagos – e a exigência de cumprimento destes compromissos dentro de prazos estabelecidos pela Justiça – diante da fundamental manutenção de serviços e investimentos públicos essenciais, para quem tem precatórios a receber a apreensão é por saber quando, finalmente, tais valores estarão à disposição. Ou seja, para o poder público o tempo é curto, enquanto para milhares de cidadãos a demora é demais. Grande a ponto de alguns credores sequer conseguirem usufruir do direito conquistado, recebendo em uma etapa da vida em que o dinheiro não reverte no conforto e lazer planejado ou, pior, morrendo antes de ver o valor na conta bancária.

Duas perspectivas de tempo, a dos governos e dos credores, conflitantes. E que mostram o quanto cidadãos brasileiros ainda são muito mais cobrados e exigidos em seus deveres do que beneficiados pelos seus legítimos direitos.

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